O pícaro, meio mendigo, meio "divertidor",entertainer, para quem, como no provérbio espanhol , "El camino se hace al caminar", o caminho se faz caminhando, só o caminho dá o sentido.
Dom Quixote decidindo, ele mesmo, se proclamar "Cavaleiro Errante", imitando os gestos e os atos do cavaleiro medieval, ao qual ele queria se comparar, em vão aliás. "Nunca soube o que era medo. Tenho o mágico segredo de conquistar o impossível." Dom Quixote.
O homem medieval é um HOMO VIATOR, percorrendo os caminhos do mundo em busca do único LUGAR VERDADEIRO, que se situa não aqui-embaixo, na Terra, mas em algum lugar no ALTO..
Baudelaire e seu número "enorme" de domicílios. Tudo isso é "travel writing", literatura de viagem.
Thomas de Quincey, num texto pouco conhecido, "Stewart, o Caminhante" : "Seus exercícios físicos e pedestres, acrescidos a um modo de vida frugal, o tinham mantido em tão boa forma, que ele não parecia ter mais de 28 anos, mesmo que ele tivesse nessa época largamente ultrapassado os quarenta anos ; ao menos, o rosto do qual eu guardei a lembrança durante anos era o de um jovem homem".
Holderlin partiu para não voltar mais. Recebeu seu visto de partida dia 9 de maio.
"O Viajante" de Goethe, após uma parada, continua na rota : "Aonde esse caminho leva ? Além da montanha ? – Mais longe , estrangeiro." É o que lhe respondem.
Ao se analisar a "Teoria do Romance", desenvolvida por Lukacs, é permitido pensar que a gênese do romance moderno, do qual o "Quixote" seria então o primeiro exemplo, é a aparição do personagem errante. Isso no que concerne a noção de totalidade do Lukacs.
Sêneca : "Assim, cheios de entusiasmo e a cabeça erguida, apressemo-nos de um passo alerta aonde nos levam as circunstâncias, percorramos todos os países do mundo !"
Baudelaire : "Eu canto os cães calamitosos, seja os que erram, solitários, nas ravinas sinuosas das imensas cidades, seja aqueles que disseram ao homem abandonado, com olhos piscantes e espirituais : "Leva-me contigo, e , de nossas duas misérias, nós faremos talvez uma espécie de felicidade !"
Peter Handke nas "Imagens do Recomeço" : "Se tu sentes a dor dos patamares, é que tu não és um turista , e a passagem pode existir."
Beckett n"O Inomável" : "Há um fora e um dentro e eu no meio, é talvez isso que eu sou, a coisa que divisa o mundo em dois, de um lado o fora, de outro o dentro..."
Há também a Deriva "Psicogeogáfica" e "Deriveville", a imensa cidade mundial da deriva, ou "Driftville" de Debord e os situacionistas.
Klee definiu o "movimento cosmogenético", passagem do Caos ao Cosmos, do Caos à Ordem, o "ponto cinza", símbolo gráfico, analisado por Deleuze e Guattari, como sendo : "antes de tudo o caos não-dimensional, não-localizável, a força do caos, feixe 'embrulhado" de linhas aberrantes ..." Percebe-se uma partida do Não-Espaço para o Espaço, nessa citação de "Mil Platôs".
Jacques Meunier, no seu "Pequeno Compêndio de Exotismo" propõe um método de reconhecimento, que tem o mérito da simplicidade, para definir um travel writer, "um escritor –viajante" : se você o cortar em dois, você não achará de um lado um viajante e de outro um escritor, mas duas metades de escritor viajante.
Michel Le Bris, organizador do Festival "Étonnants Voyageurs"-"Viajantes Surpreendentes", diz que os melhores textos de Travel Writing, são a colocar nas estantes de Literatura, os ruins, somente se classificam nesse gênero, nessa etiqueta, nessa nomenclatura de travel writing.
Na Literatura Francesa, segundo Paul Auster também, grande estudioso desta, Segalen, Cendrars, Malraux, Kessel, Michaux, até mesmo St.-Perse e Lautréamont seriam estrangeiros ao "Espírito Francês", sendo autores que escreveram numa perspectiva de "Viagem" ou exílio.
Travel Writing, tem a ver com a "Arte da ausência", com o Grande "Fora", que vem de Robert Louis Stevenson, passando por Kenneth White, "la Figure du Dehors", "a Figura de Fora" e humildemente , meu 2º livro "Terres du Dehors", "Terras de Fora. Um "desejo de mundo".
Le Bris diz que os anos fronteira de demarcação do nascimento do Travel Writing contemporâneo foram 1977-1980, na França e na Inglaterra. Ele cita especialmentea revista GRANTA , de Bill Bufford, um americano expatriado na Inglaterra. Sobretudo o número 3 !
Não há Viagem sem visão.
Paul Theroux : "Eu tinha a intenção de me embarcar em não importa qual trem, tão decidido, tão balístico fosse ele, que me levaria de Victória Station à estação Central de Tóquio."
Granta deu origem também ao que podemos chamar de "World Fiction"-Salman Rushdie, que adora machado de Assis, Hanif Kureishi, etc. Thomas Mc guane, que falando da Arte do Laço, pode falar sobre o essencial do Sentido da Vida, nas entrelinhas, por exemplo. Ver o Zen e Arte do chá, o Bushidô, o Caminho da Espada, ou Arte da Espada dos Samurais.
Depois disso Bill Buford tornou-se o editor-chefe do New Yorker.
Stevenson : "Eu não viajo para ir alguma parte, mas por viajar ; pelo prazer da viagem."
Podemos citar Nicolas Bouvier e seu "O Uso do Mundo", segundo Le Bris "um dos maiores textos literários do Século XX". Importante também é a revista Gulliver de Le Bris,
com os escritores que "dizem o mundo". Nicolas Bouvier, nascido em 1929.
Stevenson, de novo : "o essencial é se mexer ; provar de um pouco mais perto as necessidades e as adversidades da vida. Abandonar a cama mundana e mimada da civilização e sentir sob seus passos o granito terrestre e, em alguns lugares , o cortante do sílex.
Chateaubriand : "Eu errava por errar, sem outro objetivo a não ser sonhar."
Caim, cultivador sedentário, condenado ao nomadismo : "Tu serás um errante percorrendo a Terra."
Chateaubriand, novamente : "Toda nossa vida se passa a errar em torno de nossa tumba."
"Mais uma vez sobre os mares", dizia Lord Byron ! Maupassant e seu "A Vida Errante", e seu "Sobre a água", no seu iate, no século XIX.
Homero diz de Ulisses, no início da Odisséia : "aquele que errou tanto". A Errância.
Flaubert : falando de um personagem : "Ele viajou.
Ele conheceu a melancolia dos grandes navios,
os despertares mágicos e gélidos sob a tenda, a
tontura das paisagens e das ruínas, o amargor das simpatias interrompidas.
Ele voltou.
Baudelaire, mais uma vez : "Eu penso no meu grande cisne, com seus gestos loucos, como os exilados, ridículo e sublime ." Irmão da miséria do albatroz : "exilado sobre o solo , em em meio as vaias". "os verdadeiros viajantes são aqueles que partem / Por partir" - "A Viagem", último poema das "Flores do Mal". E só terminam sua viagem na Morte, fim de seu périplo.
Rimbaud : "E nós errávamos, nutridos do vinho das cavernas e dos biscoitos da estrada, eu apressado de encontrar o lugar e a fórmula."
Interessante também um ensaio sobre "Gérard de Nerval- A Vida Errante".
Leon-Paul Fargue-"Eu não terminei nunca com a vagabundagem transbordante que me mantém no oco de mim mesmo."
Heidegger : "O homem está fundamendalmente na errância ; ele não cai nela por acidente".
Errar em inglês : "to wander" e, admirar-se, maravilhar-se, "to wonder". Note-se a coincidência de grafias e sonoridades. Como em francês, errer et s'émerveiller, respectivamente.
Walden de Henry David Thoreau é um livro sobre a errância ? Questão. Mas foi Thoreau quem escreveu "Walking", "Caminhando", ou a Arte de Caminhar.
Walden escrito de 1846 a 1855.
"Vamos então ! Viajante desconhecido, vem comigo ! Nunca mais tu te entediarás com tua viagem !" Walt Whitman.
Bom, tem também o Canto da Estrada Aberta- Song of the Open Road de Whitman.
"On The Road"- Pé Na Estrada – de Jack Kerouac, tem uma particulariedade de acelerar o ritmo da errância.
Antes teve Jack London e seu hobo.
Esse trabalhador migrante, que no início do século XX, ia de estado em estado, para trabalhar. Logo depois. Logo depois houve Vachel Lindsay e seu "pequenino Guia do Mendigo", Dos Passos, nome profético, Thomas Wolfe.
Recentemente temos Thomas Pynchon e seu "O Arco-ìris da Gravidade" – viagens mais cibernética.
Chegar. Não demorar. Perseguir, prosseguir seu caminho." Raymond Carver.
Qual seria o início do Travel Writing ? Diversas opiniões. Uma delas : Os mead-halls (salas de mel ou álcool), onde os poetas-ambulantes e menestréis se apresentavam.
A Odisséia de Homero ?
Também podemos falar do poema anglo-saxão " The Seafarer", "o Navegante", do século X d.c., por volta do ano 975.
Tem também The Wanderer, Beowulf, etc.
Voltando, mais recentemente, Stendhal : Eu queimo de vontade de partir." Shakespeare : "devo ficar e morrer ou, partir e VIVER !"
Segalen : "Durante doisanos na Polinésia, eu mal dormi de tanta alegria. Eu tive auroras/despertares/amanheceres de chorar de ebriedade do dia que subia [...], eu senti a alegria fluir nos meus músculos..."
Rimbaud mais uma vez : "O mundo é cheio de países magníficos, que as existências reunidas de mil homens não seriam suficientes a visitá-los."
"Ficar sempre no mesmo lugar me pareceria um destino muito infeliz. Eu gostaria de percorrer o mundo inteiro que , no fim das contas, não é tão grande."
Ele diz duas pequenas afirmações, das quais , uma é a antítese da outra, quase.
Melos, segundo Bruce Chatwin, é membro em grego, de onde viria melodia. O ritmo cantante do passo. Melódico.
Ossip Mandelstam, um dos escritores favoritos de Chatwin, falva das trilhas de cabras, por onde Dante Alighieri caminhava durante seu labor poético, dizendo que "o Inferno, e sobretudo o Purgatório são uma celebração do caminhar do homem, da medida e do ritmo dos passos, do pé e de sua forma."
Daí essa frase de J.G. Hamam , "Quando meus pés se repousam, meu espírito cessa igualmente de funcionar."
"A vida é uma longa viagem, na qual os inadaptados são abandonados." Essa é uma frase de um esquimó caribu ao Dr. Knud Rasmussen.
Uma regra geral de biologia é que as espécies migratórias são menos "agressivas" que as sedentárias .
Algumas viagens são rituais : Hadj : "viagem sagrada" com o objetivo de afastar o homem de suas casas cheias de pecados, e , lhe aproximar da humildade e de Deus."
Húmus , aliás vem de terra, ter os pés sobre a terra.
Em tibetano a-Gro bo, "aquele que parte", "aquele que vai em migração."Igualmente um arab ou bedu é "aquele que vive sob a tenda" e se opõe ao hazar, "aquele que vive numa casa". Que podemos associar ao azar.
Progress em inglês significava "viagem", sobretudo "viagem sazonal", um "circuito".
<P align=justify>Os próprios nomes de nossos irmãos, divisores de águas é interessante ; Abel vem do hebraico "Hebe", que significa "sopro" ou "vapor", tudo o que vive, se mexe, que passa, incluído a própria vida. Podemos associar com "rebel", rebelde em inglês ? A raiz de Caim parece ser o verbo "Kanah", "adquirir", "possuir", "obter" e igualmente "dirigir'ou "submeter".
Caim quer dizer igualmente "metalúrgico", em várias línguas, incluindo o chinês, as palavras par designar a "violência" e a "submissão" são ligadas à descoberta do metal. Ver sobre isso os estudos sobre o desaparecimento da Atlântida, bombas atômicas, tecnologia bélica, filhos de Belial, feitas a partir do mau uso do metal.
Tanto Abel quanto Caim, Abel em sua vida errante, e Caim para expiar seus pecados, forçado por Yahvé, a viver como "um fugitivo e um vagabundo", freqüentam o país de Nod : nod significa "país selvagem" ou 'deserto".
Abel era o favorito de Deus, porque ele mesmo era um "deus do Caminho". Abel era um pastor nômade , e Caim, cultivador.
Interessante esse texto sumério : "O Amorita que não conhece o grão [...] Um povo cujos ataques são como um furacão[...]Um povo que nunca conheceu cidade..." Pensamos nos bárbaros, hunos e, inclusive, por associação nos gaúchos ("bandidos,gauches") e bascos, pastores itinerantes.
Ainda segundo Chatwin, "Babel significava o Caos, a desordem era o caos e a linguagem – o dom das línguas que Yahvé tinha dado a Adão – guardava uma força de resistência, uma capacidade de rebelião. E os judeus foram talvez o primeiro povo a entender isso."
Então Chatwin continua nesse elogio da simplicidade nomádica, citando o Êxodo : "o horror de Yahvé por toda a construção de pedra talhada: " Se tu me ergues um altar de pedra, não o constrói de pedras tahadas, porque ao talhar-las, tu as profanarás.""
Êxodo (20,25)
Mesmo Martin Buber em Moisés diz que "A tradição de fogueiras de campanha se opõe à da pirâmide". Isso porque os nômades não construíram nada, só montavam tendas, ao contrário dos sedentários.
"Em grego "pradaria" se dizia "nomos" e o nômade era um chefe ou ancião do clã que presidia à repartição dos pastos. "Nomos", então passou a significar "lei", "justa distribuição", "o que é estabelecido pelo costume" e constituiu a base de todo direito ocidental."
"O verbo "nemen", "pastar", "ruminar", "vagabundear" ou "se dispersar", teve desde a época de Homero um segundo sentido : "negociar", "partilhar" ou "distribuir" – particularmente a terra, as honras, a carne ou a bebida. "Nemesis" era a "admnistração da justiça" e então da "justiça divina". "Nomisma", "dinheiro tendo cotação" deu "numismática."
Ditado nômade kashkai : "Um bom cavalo é um membro da família"
"A vida é uma ponte. Atravessa-a , mas não constrói casa." Provérbio indiano.
"Na Igreja Cristã primitiva existiam 2 categorias de peregrinagem – a "caminhada por Deus", "ambulare pro Deo", imitando Cristo ou Abraão para viver sob a tenda, e a "peregrinagem de penitência", na qual os criminosos culpados de pecados enormes ("peccata enormia"), deviam partir mendigar nas estradas por um tempo determinado par "comprar" sua salvação. Como caim.
"No Islã, a "siyahat" ou "errância", foi usada para romper com as tentações do mundo e se perder em Deus."
Se diz que "o derviche se torna o Caminho".
Chatwin também conta de um senegalês que ele encontrou na Mauritânia, na estrada de Atar,perguntando sobre aprofissão dele, o senegalês respondeu :
"Eu sou aventureiro. Eu quero ver todos os povos e todos os países do mundo."
A terceira elegia de John Donne :
"Viver num país é catividade, cativeiro
Correr todos os países é pura malandragem, bandidagem."
"Aquele que não viaja, não conhece o valor dos homens." Provérbio mouro.
"Petrarca exigia de seu secretário que dormisse cada noite numa cama diferente."
"O próprio Cristo e os apóstolos fizeram suas viagens na Palestina caminhando."
O caminho de Santiago de Compostela.
Dromomania.(méd.) : impulsão mórbida à fuga, à evasão.
"A grande doença de horror ao domicílio." Baudelaire, de novo.
Pascal : "Nossa natureza está no movimento : o descanso total é a morte."
"Otium, Catulle, tibi molestum est." "O ócio, Catulo, te é funesto." (Te molesta.)
Importante também ressaltar a importância de Blaise Cendrars sobre o modernismo no Brasil e também sobre Apollinaire. Ele, um grande escritor viajante.
Não nos esqueçamos de Bashô, que após o incêndio de sua casa, partiu viajar. Recomendo também a super biografia feita por Paulo Leminski.
Fernando Pessoa que viajou relativamente muito pouco, escreveu literatura de viagem ? "Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu."
E a viagem de Xavier de Maistre, (Voyage Autour de Ma Chambre), Viagem Em Torno de Meu Quarto, é literatura de viagem ??
Sam Shepard já disse que um de seus lugares preferidos é um trem. Que poderia viver facilmente num trem , para sempre . (!)
The Great Unrest, termo esquimó para quem se mexe todo o tempo, se deloca todo o tempo.
Paul Nizan(1905-1940) : 'Parte meu rapaz, descobre o mundo. Ali aprenderás mais que em todos os livros. Nizan, escritor de "Aden, Arábia", viagem "em torno de si mesmo", como todas , não ?
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PS MUITAS DAS IDÉIAS DESTA PÁGINA ESTÃO EM BRUCE CHATWIN-THE SONGLINES EDITADO NO BRASIL PELA CIA DAS LETRAS.