segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

LIVRO NOVO 16

v às guianas 4 , bom não interessa o número por eqto
Feb 10, '08 4:13 PMfor everyone
Amazoninha entrou no ônibus cabisbaixo. Na hora exata eu não notei, não entendi, mas ele tava se escondendo. Quando sentou ao meu lado, no fundo, se escondendo atrás do banco, compreendi.
Ele tinha mais ou menos 1 metro e 58, acho, talvez um pouco menos, talvez um pouco mais. Uma cara de bandido, perigoso, mas no fundo de bom coração, de quem já tinha a morte de alguém na consciência. Os dentes podres e poucos, os olhos pequenos, falava muita gíria, ao mesmo tempo era alegre e ideaLista. 35 anos mais ou menos.
Levava consigo uma garrafa d'água e uma quentinha, que continha farinha, frango, lembro bem, arroz e feijão.
- Aí meu chegado ! fica discreto, que entrei reto e o motora nem me pediu a passagem que eu não tenho.
Eu devia estar com uma cara de fome e de jogo duro, pois estava defensivo e não tinha comido fazia já bastante tempo.
- Já jantou, já brocou ? Qué a broca ?
Naquele momento meu instinto animal, minha compaixão e minha gratidão elegeram-no meu irmão. Eu estava morto de fome. Comi com uma avidez tal, que ele deve ter sacado que eu não comia a muito tempo.
- Qué água ?
Mais uma vez aceitei com uma sede e um sentimento de irmandade que me dava água nos olhos. Era o ônibus Macapá-Oiapoque.
- Tá indo pro outro lado ?
- Tô.
- Tu vais varar com quem ? Já tem catraieiro ?
- Não, eu vou varar com a catraia normal, nasci filho de um francês, tenho passaporte francês.
- Ah , então tu tá tranqilo. ( Sem u mesmo ).
- Pô, valeu, muito obrigado pelo rango, faz tempo que eu não comia . Tu tá indo pra onde ?
- Vou pro Kourou. Meu nome é Amazoninha, lá no Kourou todo mundo me conhece, a brasileirada.
- Uma vez eu fiquei no Kourou, mas não me dei bem, dormi na praia, não entendi a cidade. De manhã consegui carona com uma enfermeirinha linda do hospital de lá, mas ela tinha namorado. Voltei pra Cayenne.
- Tu já ficou em Caiena ?
- Já morei lá.
- Deixei uma morena bonita que eu conheci lá no lixão onde eu tava morando. Quero ir pra Copa da Alemanha, vou fazê uma grana do outro lado e em julho tô lá.
Assim conversamos um pedaço da noite, voando e pulando nos buracos escancarados pela chuva e pelo sol, na estrada de terra. Depois ele falou que ia tirar um ronco. Às 6 da manhã, um pouco antes, quando acordei no Oiapoque, ele já estava descendo do ônibus, afoito, lá na frente. Nunca mais o vi. Perguntei prum pessoal, e, realmente a fama do Amazoninha corria na Guiana. Ele era o tipo que todo mundo conhece, e escreve seu nome grande nas pedras das praias.
Eu desci do ônibus lentamente, acordando, saindo da realidade para o sonho , ou vice-versa, peguei uma catraia, depois de ser cercado pelos catraieiros, desejosos de meus reais, atravessei o rio, e do outro lado, um guianense negro de 2 metros de altura e 100 quilos, me perguntou :
- To ka alé Cayenne ? To allé Cayenne ? To ka Cayenne ?
Tradução em francês : - Tu veux aller à Cayenne ?
em português : - Quer ir pra Caiena ?
e adentrei uma confortável van, nova em folha, que certamente iria cheia , mas ainda assim, pelo asfalto lisinho, e pensei na catraia nervosa que levaria Amazoninha e vários brasileiros para dentro do mato amazônico, clandestinos, com as onças e sucuris, malária e aranhas e crocodilos.

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